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REPORTAGEM

Ministra defende taxação do streaming, mas diverge de artistas sobre tarifa

A cantora, compositora e atriz Margareth Menezes é a Ministra da Cultura do Brasil - Divulgação/MinC/Mariana Alves
A cantora, compositora e atriz Margareth Menezes é a Ministra da Cultura do Brasil Imagem: Divulgação/MinC/Mariana Alves
do UOL

Colunista de Splash

09/06/2025 05h30

Nos últimos meses, a regulamentação do streaming virou tema quente nas redes sociais de artistas brasileiros. Nomes como Mateus Solano, Marcos Palmeira, Paulo Betti e Júlia Lemmertz se manifestaram publicamente a favor da criação de regras para o setor, como parte do Movimento VOD12 pelo Audiovisual Brasileiro. Margareth Menezes, ministra da Cultura, também apoia a demanda.

"É uma oportunidade para fortalecer a indústria", diz ela, em entrevista exclusiva a esta coluna de Splash. Mas o debate esbarra em dois pontos centrais de divergência: tributação e cota de conteúdo nacional.

O assunto está no Congresso Nacional desde 2022, com o Projeto de Lei 2331, do senador Nelsinho Trad (PSD). O texto original propõe regras para vídeo sob demanda no Brasil, com a cobrança da Condecine —contribuição federal que financia o setor por meio do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA)— com alíquotas de até 4% sobre a receita local. Parte desse valor, até 50%, poderia ser abatido caso as empresas invistam diretamente em produções nacionais.

De acordo com Margareth, o Ministério da Cultura apoia a aprovação do substitutivo proposto pela relatora do projeto, a deputada Jandira Feghali (PCdoB) —que ficou conhecido como Lei Toni Venturi, em homenagem ao cineasta morto em 2024. "Precisamos de um instrumento que valorize a diversidade cultural e assegure um desenvolvimento justo e equilibrado para quem faz e para quem consome cultura no Brasil. Mais do que um simples ajuste econômico, este é um o decisivo para a soberania cultural", explica Margareth Menezes.

Divergências

O substitutivo apoiado pelo Ministério da Cultura prevê uma alíquota maior em relação à proposta original, variando de 0% a 6% —com até 60% podendo ser abatida caso a plataforma invista diretamente em obras brasileiras. O texto também estabelece uma cota de 10% de conteúdo nacional, em volume, que pode ser ainda menor em catálogos muito grandes, com mais de 7.000 títulos.

A Ancine (Agência Nacional do Cinema) ficaria responsável por regulamentar e fiscalizar o cumprimento da nova lei. Isso inclui monitoramento de dados de audiência, exigência de transparência nos algoritmos que recomendam conteúdos aos usuários e a obrigação de dar destaque ao audiovisual brasileiro nas plataformas.

Contudo, para o Movimento VOD12, a contribuição deveria ser de 12%. O grupo também defende que pelo menos 20% do catálogo —em horas— seja dedicado a conteúdo nacional.

Apesar das diferenças, a ministra classifica o movimento como "mobilização legítima" e que a pasta "tem sido parte integrante desse esforço". "A democracia compreende aperfeiçoamento sempre", afirma. "O MinC dialoga com o setor, governo federal e com o Congresso para que a proposta atenda às necessidades e à grandiosidade da produção audiovisual brasileira", comenta a ministra.

Arranjos Regionais

A entrevista à coluna ocorre na esteira da retomada do edital Arranjos Regionais, que acontece nesta segunda-feira, em Recife, Pernambuco. A chamada pública vai destinar R$ 300 milhões do Fundo Setorial para fortalecer políticas culturais nos estados e municípios, especialmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

A iniciativa, que já existiu entre 2014 e 2018, prevê contrapartida local e apoio a áreas como cineclubismo, games, preservação e conteúdos para a infância, buscando aquecer a cadeia produtiva e estimular uma produção audiovisual mais plural e descentralizada. Municípios que executaram chamadas anteriores poderão participar novamente, com foco em diversidade, inclusão e estímulo à inovação estética.

"A nova fase incorpora aprendizados como a importância da contrapartida local, a necessidade de expandir investimentos e incentivar os polos regionais de produção", comenta a ministra. A seguir, a entrevista com Margareth Menezes.

O Ministério da Cultura está relançando a chamada pública Arranjos Regionais, com R$ 300 milhões do Fundo Setorial do Audiovisual. Quais aprendizados das edições anteriores foram incorporados? E como o programa se articula com a Lei Paulo Gustavo e a Política Nacional Aldir Blanc?
O audiovisual brasileiro vive um momento de efervescência, impulsionado por políticas públicas que ampliam a produção, sua diversificação e nacionalização. Os Arranjos Regionais, implementados pela Ancine entre 2014 e 2018, ressurgem como instrumento fundamental.

Nesta nova fase, incorporamos aprendizados como a importância da contrapartida local, a ampliação dos investimentos e o estímulo aos polos regionais. Na edição anterior, o Fundo Setorial do Audiovisual investiu R$ 361 milhões, que somados ao aporte local, ultraaram R$ 826 milhões. O impacto é visível em obras premiadas e de grande alcance, como "Azougue Nazaré", "Eduardo e Mônica", "Marte Um", "Salomé" e "Crisálida", a primeira série em libras e português.

Nesta retomada, fortalece a articulação federativa, alinhando-se com as leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo e a Política Nacional Aldir Blanc. Esses programas reforçaram a corresponsabilização dos entes federativos, consolidando uma Política Nacional do Audiovisual mais estruturada e integrada.

Como garantir que as especificidades culturais e econômicas de cada região sejam respeitadas?
Priorizamos regiões historicamente menos atendidas: 70% dos recursos vão para Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e 30% para Sul, Minas Gerais e Espírito Santo. Rio de Janeiro e São Paulo foram contemplados diretamente e não participam desta chamada. Cada estado pode ar até R$ 30 milhões, com complementação proporcional ao investimento local.

Valorizamos a gestão local, permitindo que estados e municípios definam prioridades conforme suas realidades culturais e econômicas. Uma inovação importante é a orientação para que recursos locais sejam destinados a elos da cadeia produtiva menos atendidos, como cineclubes, games, formação, produção infantil e preservação audiovisual. O cofinanciamento fortalece a corresponsabilidade regional, estimulando políticas culturais adaptadas a cada território.

Esse modelo permite que gestores locais façam diagnósticos e planos alinhados às suas realidades, enquanto o Fundo Setorial apoia projetos maiores, como longas, televisão, comercialização e produção.

Um dos objetivos do edital é ampliar a participação de mulheres cineastas e estimular a inovação estética. Que políticas específicas estão sendo implementadas para fomentar diversidade e inclusão?
Os Arranjos Regionais têm como foco a diversificação e a inclusão. Destaco o aumento da participação de mulheres, apoio a cineastas estreantes, estímulo à experimentação estética com pluralidade de linguagens, e valorização de cadeias produtivas locais historicamente marginalizadas nas políticas nacionais. Essas ações buscam maior representatividade e inovação no audiovisual brasileiro, promovendo equidade de o e visibilidade.

O Projeto de Lei 2331/2022, a "Lei Toni Venturi", que regula plataformas de streaming, está em debate. Qual é a atuação do Ministério da Cultura?
O audiovisual é um pilar da economia criativa brasileira e as plataformas de streaming transformaram o consumo de conteúdo, mas também trazem desafios. No Congresso, tramitam dois PLs para regulamentar esses serviços: o 8.889/2017 na Câmara, e o 2.331/2022 no Senado, conhecido como Lei Toni Venturi.

O MinC apoia o texto substitutivo da deputada Jandira Feghali ao PL 2331/2022 e mantém diálogo com setor, Governo e Congresso para que a proposta atenda às necessidades da produção audiovisual brasileira. A aprovação da lei do streaming em 2025 é prioridade, pois representa um o decisivo para a soberania cultural, garantindo desenvolvimento justo e valorização da diversidade.

O Movimento VOD12 pelo Audiovisual Brasileiro, apoiado por artistas, deu visibilidade à discussão sobre a regulamentação. Qual a relevância dessa mobilização?
Mobilizações para valorizar o audiovisual são legítimas e o MinC participa ativamente desse esforço, dialogando com Congresso, setor e artistas para construir consensos. A regulação do serviço de vídeo sob demanda é uma oportunidade para fortalecer a indústria audiovisual brasileira, proteger os direitos dos criadores, promover a diversidade cultural e garantir que o Brasil impulsione esse momento tão incrível que estamos vivendo, e que tem um lugar de destaque no cenário do audiovisual global.

Sem regulação, deixamos de arrecadar recursos que poderiam fomentar o audiovisual via Fundo Setorial. Por isso, priorizamos a aprovação do relatório da deputada Jandira Feghali, fruto de trabalho qualificado e vontade do setor. Ele é fruto de um trabalho qualificado feito pela parlamentar e representa a vontade de boa parte do setor audiovisual. A democracia compreende aperfeiçoamento sempre. Nossos esforços são no sentido de que o FSA seja cada vez mais protagonista no fomento ao audiovisual brasileiro.

Margareth - Divulgação/MinC/Mariana Alves - Divulgação/MinC/Mariana Alves
Para a ministra Margareth Menezes, regulamentar o streaming é questão de soberania cultural
Imagem: Divulgação/MinC/Mariana Alves

Que efeitos a regulamentação do streaming pode ter para produtores independentes, criadores regionais e distribuidoras nacionais?
A regulação é urgente e essencial para garantir a soberania das produções e desenvolvimento da indústria audiovisual. Ela preserva direitos dos trabalhadores e cria um ambiente justo, em que recursos das plataformas fortaleçam toda a cadeia produtiva.

Produções independentes terão mais oportunidades de alcance, com mecanismos para incentivar conteúdo nacional nas plataformas. O Brasil, diverso e plural, poderá se ver por inteiro nas telas, abrindo espaço para novos talentos. Isso gera emprego, renda, cidadania e valoriza manifestações culturais variadas.

Nosso objetivo é manter a cultura viva, diversa e ível, garantindo que quem produz possa viver de sua arte. A cultura representa 3,1% do PIB, gerando emprego e renda sustentável.

Com as mudanças tecnológicas e o avanço do streaming, qual é a visão do Ministério da Cultura para o futuro do audiovisual brasileiro? Há planos para fomentar coproduções e parcerias internacionais?
O audiovisual brasileiro tem grande potencial criativo e econômico. As salas de cinema voltaram a encher no pós-pandemia, e o público está cada vez mais interessado em produções nacionais. Diante disso, o Ministério tem atuado para ampliar as coproduções e parcerias internacionais, retomando acordos bilaterais e reforçando a presença do Brasil em mercados e festivais.

Exemplo disso foi a homenagem ao país no Marché du Film 2025, no Festival de Cannes, com delegação recorde e diversa. Por meio da Ancine, mantemos acordos com países como Alemanha, França, Reino Unido, China e outros, que facilitam o financiamento e a distribuição conjunta. A meta é tornar nosso audiovisual competitivo lá fora, sem perder a identidade e a diversidade cultural.

O Ministério está desenvolvendo o streaming Tela Brasil, previsto para 2025. Como está o projeto e por que optar por uma plataforma própria em vez de parcerias já existentes?
Tela Brasil será a primeira plataforma de streaming dedicada exclusivamente à produção audiovisual brasileira, com obras 100% nacionais e o totalmente gratuito. Estamos finalizando os preparativos para seu lançamento no segundo semestre de 2025.

A plataforma vai oferecer gradualmente um catálogo diverso de curtas, médias e longas-metragens, reunindo um panorama expressivo da cinematografia nacional em diferentes formatos e estéticas. Já destinamos R$ 4,2 milhões para o licenciamento de 447 obras, por meio de edital, com o objetivo de democratizar o o ao conteúdo nacional e ampliar sua presença no cotidiano dos brasileiros.

Optamos por criar uma plataforma própria para garantir autonomia, soberania tecnológica e um serviço público gratuito. Isso permite adaptar a experiência para diferentes públicos —como cineclubes, escolas e pontos de exibição—, além de valorizar o cinema brasileiro com conteúdo sob responsabilidade do MinC e de outras áreas do governo. A plataforma está sendo construída com foco em inovação, inclusão e representatividade, tanto no acervo quanto nas funcionalidades.

Entrevista editada para fins de comprimento e clareza.

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