Aldo Rebelo diz que Moraes tentou intimidá-lo e espera pedido de desculpas

O ex-ministro Aldo Rebelo disse que o ministro do STF Alexandre de Moraes tentou intimidá-lo ontem, durante audiência da ação penal sobre tentativa de golpe de Estado.
O que aconteceu
"Na verdade, o que houve ali foi uma tentativa de intimidação de testemunha", comentou Rebelo ao UOL. "O juiz pode desconhecer o depoimento, pode não considerar. Agora, como agiu, pressionar testemunha, não."
Moraes ameaçou prender Rebelo ontem. O fato ocorreu após o ex-ministro dos governos Lula e Dilma Rousseff responder a um questionamento do próprio ministro do STF. Rebelo é testemunha de defesa do ex-comandante da Marinha Almir Garnier no processo.
"Acho que [Moraes] deveria pedir desculpas", disse hoje ao UOL. "Talvez, não quisesse fazer isso na hora, mas pode fazer depois", completou. Aldo Rebelo está em Santarém (PA), onde participou de uma palestra.
Embora tenha sido ministro de Lula e Dilma e filiado ao PCdoB, Rebelo se distanciou da esquerda nos últimos anos e se aproximou do bolsonarismo. Em 2024, foi nomeado para o cargo de secretário de Relações Internacionais do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), então candidato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nas eleições municipais.
Talvez, em algum momento, ele [Moraes] vá me pedir desculpas pelo ocorrido. É o que eu espero que venha a acontecer.
Ex-ministro Aldo Rebelo, em entrevista ao UOL
O ex-ministro da Defesa afirmou também que não achou que seria preso nem se sentiu ameaçado por Moraes. Ele contou ter visto o ministro do STF "uma vez ou duas" em cerimônias de posses na corte, mas não teve reuniões nem "conversa prolongada" com Alexandre de Moraes.
O UOL entrou em contato com a assessoria do STF. O espaço está aberto para manifestação do ministro Alexandre de Moraes.
Entenda o que ocorreu na audiência
Rebelo tentou minimizar atuação de Garnier. Ele falava sobre o uso de "forças de expressão" em referência à frase que teria sido dita por Garnier ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na reunião com os comandantes das Forças Armadas em novembro de 2022.
Garnier falou em "colocar as tropas à disposição", o que é um dos principais pontos da denúncia contra Bolsonaro. Ex-comandantes do Exército e da FAB (Força Aérea Brasileira) afirmaram que ele foi o único dos chefes das Forças Armadas a sinalizar apoio ao plano golpista. A defesa dele tenta contestar essa versão.
Rebelo foi interrompido por Moraes. O ministro questionou se ele havia presenciado a reunião dos comandantes militares com Bolsonaro. Ele negou. Moraes mandou que ele tratasse apenas dos fatos.
Na sequência, Rebelo respondeu que não itiria censura. Moraes mandou que ele se comportasse, caso contrário, "seria preso por desacato". Após o diálogo tenso, a defesa de Almir Garnier retomou os questionamentos e não voltou mais para a discussão sobre a expressão.
DEMÓSTENES TORRES [advogado de Garnier]: O brigadeiro Baptista Júnior disse que o almirante Garnier teria colocado tropas à disposição do presidente. É possível que o comando da Marinha possa mobilizar efetivos navais por decisão unilateral?
ALDO REBELO: É preciso levar em conta que na língua portuguesa nós conhecemos aquilo que se usa muitas vezes que é a força da expressão. A força da expressão nunca pode ser tomada literalmente. Quando alguém diz que estou frito, não significa que está dentro de uma frigideira, quando diz que está apertado, não significa que está submetido a uma pressão literal. Quando alguém diz estou à disposição, a expressão não precisa ser lida literalmente.
ALEXANDRE DE MORAES: O senhor estava na reunião quando o almirante Garnier disse a expressão?
REBELO: Não.
MORAES: Então o senhor não tem condição de avaliar a língua portuguesa naquele momento. Atenha-se aos fatos.
REBELO: Em primeiro lugar, a minha apreciação da língua portuguesa é minha e eu não ito censura.
MORAES: Se o senhor não se comportar o senhor será preso por desacato.
REBELO: Estou me comportando.
MORAES: Então se comporte e responda à pergunta.
REBELO: Estou respondendo.
TORRES: É possível [o almirante Garnier mobilizar sozinho as tropas]?
REBELO: Não posso responder sim ou não.
MORAES: Próxima pergunta, doutor Demóstenes.
Na sequência, porém, Rebelo indaga se Moraes deixaria que ele fizesse sua "apreciação". O ministro então disse que a testemunha deve fazer apreciação sobre os fatos e não apresentar seu juízo de valor à questão. Ao final, Rebelo respondeu à pergunta da defesa de Garnier e explicou como funciona a cadeia de comando na Marinha.
Moraes em seguida pediu que a audiência transcorresse de maneira regular. Ele disse que respeitava o advogado de Garnier, Demóstenes Torres, e exaltou o currículo de Aldo Rebelo após a pergunta da defesa se a Marinha sozinha possuía condições de dar um golpe de Estado. "Não há conhecimento técnico para saber se a Marinha sozinha consegue dar um golpe de Estado. Aldo Rebelo é historiador e inteligente, ele sabe, por exemplo, que em 64 não precisou de toda a cadeia de comando para dar o golpe de Estado. Por favor, doutor Demóstenes, tenho o maior respeito pelo senhor, mas vamos levar isso com regularidade, por favor."
Gonet também chamou a atenção de Aldo Rebelo. "Quem faz as perguntas são os advogados e o procurador", rebateu Gonet. "O senhor. disse 'o que eu gostaria de saber era', e não é . Quem quer saber alguma coisa somos nós, por favor", retrucou o procurador-geral. Rebelo chegou a comentar que tinha interesse nos fatos, ao que o Moraes encerrou o assunto. "Se o senhor quer saber, depois o senhor vai ler na imprensa".
REBELO: Não pode [o comandante autorizar sozinho operação], ministro, porque qualquer estrutura de comando dentro das Forças Armadas precisa consultar toda a cadeia relacionada com ela. O comandante da Marinha rigorosamente dirige uma mesa, um bureau, quem comanda a tropa é o comando das operações navais, o comando da esquadra, comando da força de submarinos, esse que é o comando real. Se não ar por essa cadeia de comando de transmissão, o comando de fato fica apenas na palavra, o que eu gostaria de saber é se o inquérito apurou junto a essa estrutura de comando se de fato foi transmitida pelo comandante da Marinha.
PAULO GONET: Ministro, eu acho que quem faz as perguntas são os advogados e não a testemunha para o tribunal ou para o advogado. Disse que gostaria de saber alguma coisa. Não é o momento para que isso aconteça.
REBELO: Não estou fazendo pergunta nenhuma.
GONET: O senhor desculpa, mas o senhor disse 'o que eu gostaria de saber era', não é? Quem quer saber algumas coisas somos nós, não o senhor.
REBELO: Eu quero saber.
MORAES: Se o senhor quer saber, depois o senhor vai ler na imprensa.