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'Experiência dolorosa': a rotina de um jovem socorrista em Gaza

Palestinos deslocados empurram carroça com corpos após ataque perto de um centro de distribuição de alimentos em Rafah, no sul da Faixa de Gaza - AFP 1.jun.2025
Palestinos deslocados empurram carroça com corpos após ataque perto de um centro de distribuição de alimentos em Rafah, no sul da Faixa de Gaza Imagem: AFP 1.jun.2025

Rami Al Meghari, correspondente da RFI em Gaza, e Sami Boukhelifa, em Jerusalém

05/06/2025 05h30

Armados apenas com pás e picaretas, os socorristas da Defesa Civil de Gaza se encontram na linha de frente no resgate das vítimas dos bombardeios israelenses. Trata-se de uma organização responsável por serviços de emergência, vinculada à Autoridade Palestina. Conheça Abdallah Majdalawi, jovem bombeiro de Gaza e um dos membros dessa equipe, entrevistado pela RFI no enclave palestino.

Com uma pá nas mãos e quase nenhuma proteção, o jovem Abdallah Al Majdalawi tenta salvar vidas entre os escombros da Faixa de Gaza. Bombeiro da Defesa Civil, ele testemunha diariamente os horrores deixados pelos bombardeios israelenses.

Aos 25 anos, já ou por experiências que marcam uma vida inteira. Esta é a história de um socorrista que, entre o medo e o dever, carrega a memória de uma guerra que não dá trégua.

Cinco anos de serviço, uma guerra sem fim

Abdallah atua há cinco anos na Defesa Civil de Gaza, organização responsável pelos serviços de emergência e ligada à Autoridade Palestina. Desde o início da guerra, sua rotina foi virada do avesso.

"Faço entre duas e quatro intervenções por dia. Algumas são tão difíceis que não dá para esquecer", conta.

Uma dessas cenas aconteceu em fevereiro de 2024, no bairro de Al Zaytoun, na Cidade de Gaza. Após 12 dias de ocupação, o exército israelense deixou a região. Quando a equipe de resgate chegou, o cenário era devastador.

"Havia corpos pelas ruas. Fomos recolhendo um por um", relata.

"Alguém apontou uma casa destruída e disse: 'Ali morava gente'. Entrei nos escombros e gritei: 'Tem alguém aí?' Ouvi um murmúrio. Pedi silêncio total. E sim, havia uma pessoa viva."

Criança entre cadáveres em decomposição

O sobrevivente era um menino: Ahmed Naïm.

"Começamos a cavar para alcançá-lo. Havia cadáveres em decomposição há dias. O cheiro era inável. E o menino sobreviveu ali, no meio de tudo isso", diz Abdallah.

"Retirei o último corpo, e ele estava logo embaixo. Parecia um esqueleto. Como aquelas imagens da fome na Somália, nos anos 1990. Era igual."

Completamente abalado, Abdallah não conseguiu seguir com o trabalho naquele dia. Quem finalizou o resgate foi seu colega e parceiro de equipe, Ali Omar.

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O dia mais difícil da vida

Pouco tempo depois, durante outra missão de resgate, veio o golpe mais duro.

"Fomos bombardeados. Ali estava no andar de cima. Subi correndo, mas só encontrei uma mão ? dentro da luva da Defesa Civil. Eu sabia que era a dele."

Ali havia sido lançado do terceiro andar com a explosão. Abdallah encontrou o corpo do amigo caído no chão.

"Foi a experiência mais dolorosa que já vivi", confessou à RFI.

Cansaço, pesadelos e o desejo de paz

Hoje, Abdallah vive exausto. O corpo segue no trabalho, mas a mente carrega marcas profundas."Tudo o que eu queria era conseguir dormir sem pesadelos. Viver um dia sem esse estresse constante."

Entre ruínas e sirenes, ele continua. Porque, mesmo no meio da guerra, ainda há quem escolha salvar vidas.

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