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Paralelepípedo livre: grupo se une para salvar pedras de 1856 em ruas de SP

Rua Sebastião Velho, em Pinheiros. Apesar de manter parte da característica original, é possível observar vários trechos onde o piso foi remendado com asfalto. - Eduarda Esteves/UOL
Rua Sebastião Velho, em Pinheiros. Apesar de manter parte da característica original, é possível observar vários trechos onde o piso foi remendado com asfalto. Imagem: Eduarda Esteves/UOL
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Do UOL, em São Paulo

25/05/2025 05h30

Moradores de São Paulo se uniram para evitar que a prefeitura asfalte as ruas de paralelepípedo que sobraram na cidade. Na contramão da cultura do asfaltamento, o grupo defende que manter o calçamento original preserva as características culturais dos bairros, reduz a velocidade dos veículos e contribui para o escoamento adequado da água da chuva.

O que aconteceu

Restaram na cidade cerca de cinco mil ruas de paralelepípedos. A empresária Fernanda Salles, 56, mora em uma delas, no bairro de Pinheiros, na zona oeste da cidade. Ela é uma das fundadoras do grupo Paralelepípedo Vivo, criado em 2012, por um grupo de pessoas que se uniram contra o asfalto da Prefeitura de São Paulo.

Movimento quer manter calçamento original das ruas na Vila Madalena, Jardins, Brooklin, Vila Mariana, Mooca e Sumaré. "A gente entende que tem que manter as poucas ruas que restaram. Já fomos para a frente dos tratores quando a prefeitura vinha à noite sem avisar para tentar asfaltar as ruas", conta Fernanda.

A defesa do piso vai além da estética, contribuindo com o escoamento das águas da chuva e ajudando a evitar enchentes. Por ser permeável, o paralelepípedo melhora a absorção e permite que a água chegue aos lençóis freáticos. Yvonne Mautner, professora aposentada de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo), explica que os blocos de pedra colaboram também com o menor aquecimento em comparação com as áreas asfaltadas. "Não conhecemos nenhum plano da prefeitura de incentivo à produção de asfalto permeável", argumenta.

A empresária Fernanda Salles é uma das fundadoras do grupo Paralepípedo Vivo - Eduarda Esteves/UOL - Eduarda Esteves/UOL
A empresária Fernanda Salles é uma das fundadoras do grupo Paralepípedo Vivo
Imagem: Eduarda Esteves/UOL

Moradores também cobram manutenção, já que em vários trechos o piso foi remendado com asfalto após obras. Fernanda mora na rua Sebastião Velho há 18 anos e viu a via se transformar ao longo da última década. Ela diz que as concessionárias de água e gás fazem reparos de manutenção e não deixam o pavimento da forma como encontraram.

"Demitiram a maioria dos calceteiros [profissionais responsáveis pela manutenção desse tipo de pavimento] e agora acham mais fácil ar o asfalto por cima dos paralelepípedos", denuncia a moradora. Fernanda acrescenta que ao invés de asfaltar essas ruas, a prefeitura deveria mantê-las, contratando e treinando mão de obra para assentar adequadamente os blocos.

A reivindicação dos moradores se tornou um bloco de Carnaval. Desde 2011, o Bloco do Paralelepípedo reúne vizinhos que vivem em Pinheiros e se reúnem uma semana antes da festividade pelas vias de pedra da região.

É um ar de tranquilidade, parece até uma outra cidade, como uma rua do interior.
Fernanda Salles, sobre a rua que mora

Rua foi asfaltada sem que moradores fossem comunicados

Rua Victor Correia de Melo, na Chácara Santo Antônio, foi asfaltada sem que moradores fossem informados - Cedida ao UOL - Cedida ao UOL
Rua Victor Correia de Melo, na Chácara Santo Antônio, foi asfaltada sem que moradores fossem informados
Imagem: Cedida ao UOL
Rua Victor Correia de Melo, na Chácara Santo Antônio, antes de ser asfaltada - Cedida ao UOL - Cedida ao UOL
Rua Victor Correia de Melo, na Chácara Santo Antônio, antes de ser asfaltada
Imagem: Cedida ao UOL

Prefeitura asfaltou rua "de surpresa" em uma noite no ano ado. A arquiteta Mariana Aguiar, 48, vive na rua Victor Correia de Melo, na Chácara Santo Antônio, na zona sul da capital, desde que nasceu. A rua era de paralelepípedo, mas foi asfaltada pela gestão de Ricardo Nunes (MDB) sem que os moradores fossem previamente informados. "Foi de surpresa. Um dia de madrugada acordei com uma barulheira, minha casa tremendo, mas só descobri o que era quando fui sair de casa de manhã e vi que eles tinham asfaltado a rua", lembra Mariana.

Rua perdeu característica histórica, segundo a moradora. Os vizinhos ficaram surpresos com a mudança, já que ninguém esperava. "Perdeu a história, descaracteriza, virou uma rua como qualquer outra", criticou Mariana. A arquiteta diz ainda que antes, com os paralelepípedos, a rua não enchia quando chovia, mas agora sempre que chove mais forte está alagando. "Além disso, os carros agora am voando, fica mais quente por causa do asfalto e para completar, o nível da rua subiu bastante e em alguns pontos nivelou com a calçada. Até vieram tentar ajustar depois que denunciamos", diz.

Proibição de asfaltar paralelepípedo pode virar lei em São Paulo

Utilizado na cidade de São Paulo desde 1856, o pavimento é histórico e pode durar centenas de anos - Eduarda Esteves/UOL - Eduarda Esteves/UOL
Utilizado na cidade de São Paulo desde 1856, o pavimento é histórico e pode durar centenas de anos
Imagem: Eduarda Esteves/UOL

Vereador quer proibir pavimentação de ruas de paralelepípedos. O parlamentar Eliseu Gabriel (PSB) propôs a proibição do asfaltamento de vias constituídas de paralelepípedo, bloquetes, entre outros, em toda a cidade de São Paulo. O PL já foi aprovado nas comissões e aguarda para ser votado na Câmara. Se aprovado, vai para sanção do prefeito.

Utilizado na cidade de São Paulo desde 1856, o pavimento é histórico e pode durar centenas de anos, argumenta Eliseu. "A gente precisa buscar soluções para que a cidade de São Paulo seja esponja, ou seja, que possa absorver a água. Áreas de asfalto são completamente impermeáveis. Hoje, a gente tem muitas construções, calçadas feitas de cimento, e vemos inundações em tudo quanto é lugar. As ruas de paralelepípedos funcionam para melhorar a drenagem, portanto precisam ser salvas. Eu fui procurado por muitos moradores, por isso decidi escrever o projeto de lei", conta.

Parlamentar ressalta, por outro lado, que o projeto tem de ser debatido com a gestão municipal. Eliseu explicou que o PL deve ar por alterações para a prefeitura sancioná-lo. "Precisa fazer um acordo com o Executivo. Por exemplo, ruas íngremes de paralelepípedos devem ser asfaltadas, seriam uma exceção, porque quando chove dificulta a mobilidade dos carros", explica.

Prefeitura gastou R$ 575 milhões para asfaltar ruas de paralelepípedos

Restaram na cidade de São Paulo cerca de cinco mil ruas de paralelepípedos - Eduarda Esteves/UOL - Eduarda Esteves/UOL
Restaram na cidade de São Paulo cerca de cinco mil ruas de paralelepípedos
Imagem: Eduarda Esteves/UOL

Desde 2023, 1.169 ruas de paralelepípedos foram pavimentadas. De acordo com a Secretaria Municipal das Subprefeituras, o investimento foi de R$ 575 milhões.

Critérios técnicos e solicitações de moradores. A gestão municipal argumenta que a seleção das vias para pavimentação sobre paralelepípedos é feita com base em critérios técnicos e solicitações dos moradores.

"Desde o início de 2025, as subprefeituras são orientadas a consultar os moradores da região sobre a aprovação antes do início do trabalho", afirmou a Prefeitura de São Paulo, em nota enviada ao UOL.

As ruas de paralelepípedo são mais escorregadias, diz a prefeitura. Segundo a gestão, isso dificulta a frenagem dos carros e pode provocar acidentes envolvendo pedestres, principalmente em dias de chuva. Ainda de acordo com a nota, é mais difícil para a travessia de cadeirantes, carrinhos de bebê ou qualquer equipamento com rodas.

Pavimentação reduz necessidade de manutenção, afirma a istração municipal. "A pavimentação dessas vias resulta em um deslocamento mais eficiente tanto para veículos quanto para pedestres, sem prejudicar o escoamento das águas das chuvas, pois são pavimentadas sem alteração das linhas de drenagem superficial (guias e sarjetas), reduzindo a quantidade de manutenções".

Questionada sobre o projeto de lei que quer proibir a pavimentação das ruas de paralelepípedos, a Prefeitura de São Paulo não se manifestou. O espaço segue aberto para manifestação e será atualizado em caso de resposta.

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