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Preso por comunismo, ele foi excomungado e criou Igreja Católica Brasileira

Pintura de Dom Carlos Duarte da Costa - Cedido ao UOL
Pintura de Dom Carlos Duarte da Costa Imagem: Cedido ao UOL
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Do UOL, em São Paulo

25/05/2025 05h30Atualizada em 25/05/2025 07h31

"Não me sujeitei à política fascista do meu irmão, Eugênio Pacelli". Foi se referindo dessa forma ao papa Pio 12 que, em agosto de 1945, o carioca dom Carlos Duarte da Costa anunciou ao Brasil a fundação da Igreja Católica Apostólica Brasileira.

O que aconteceu

Ele havia sido excomungado - ou seja, expulso da comunidade religiosa - no mês anterior. O limite para a Santa Sé - que já estava em disputa com o Bispo de Maura, como ele era conhecido na Igreja Católica Apostólica Romana -, foram críticas dele a duas orientações dos papas Leão 13 (1878-1903) e Pio 11 (1922-1939).

Dom Carlos classificou as duas encíclicas - termo religioso das recomendações -, como contrárias ao cristianismo. "Ele se colocou contra o papa, contra o dogma do casamento, ou seja, não era contra o divórcio. Imagina isso nas décadas de 30 e 40", analisa Brenda Carranza, pesquisadora de antropologia da religião na Unicamp.

O religioso acumulava desavenças com o Vaticano ao menos desde 1932, quando era bispo de Botucatu (SP). Naquele ano, a Revolução Constitucionalista, movimento paulista que tentou derrubar o então presidente Getúlio Vargas, inspirou politicamente o bispo.

Carlos Duarte, ainda como bispo de Botucatu - Cedido ao UOL - Cedido ao UOL
Carlos Duarte, ainda como bispo de Botucatu
Imagem: Cedido ao UOL

Em meio ao ativismo político, dom Carlos foi acusado de má istração da diocese. Ele renunciou ao cargo em 1937, explica ao UOL o historiador Wagner Pires, que pesquisou sobre a Igreja Brasileira na Faculdade Padre Dourado, em Fortaleza (CE).

O bispo foi preso pela ditadura de Vargas em 1942 acusado de comunismo. Meses antes, ele havia denunciado uma suposta infiltração nazista entre os católicos brasileiros e escrito o prefácio do livro "O Poder Soviético", em que o padre inglês Hewlett Johnson defendia o regime.

Dom Carlos foi levado do Rio para o interior de Minas Gerais, onde ficou preso por alguns meses. "Ele fazia missas em terreiros de candomblé, umbanda. Ele acreditava que o Estado tinha que ser laico e não haver interferência entre ele e as religiões. Dom Carlos celebrava essas missas em templos de outras crenças para defender a liberdade religiosa", diz Wagner Pires.

Ele morreu em 1961. "A Igreja Brasileira teve um período curto de relevância, entre sua fundação e a morte de dom Carlos. Após o falecimento dele, a igreja diminui muito a sua influência porque ele utilizava os canais da imprensa do Rio para divulgar suas ações", afirma o pesquisador cearense.

Diferenças entre as igrejas

A Igreja Católica Brasileira foi fundada como um contraponto à "romanização" do catolicismo no Brasil, explica Pires. Após a Proclamação da República, em 1889, a separação entre Igreja e Estado ficou mais clara, o que motivou um investimento da Santa Sé no país para evitar uma perda de influência.

Diferença entre igrejas - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Os questionamentos de dom Carlos eram uma ameaça a esse investimento. "Ele não queria romper com a Igreja Romana. Ele queria fazer exatamente o que ela fez anos depois, como celebração de missas na língua local e só usar batina em ocasiões adequadas", afirma ao UOL dom Manoel da Rocha, bispo do Rio de Janeiro da Igreja Brasileira. Ele também recebe o título de primaz, já que a diocese do Rio é a primeira entre as dioceses da igreja, como acontece no Vaticano.

Dom Manoel da Rocha - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Dom Manoel da Rocha
Imagem: Arquivo pessoal

As duas principais diferenças que ainda se mantêm entre as igrejas são: permissão para homens casados serem padres e autorização de matrimônio de divorciados.

Apesar do progressismo, a Igreja Brasileira não tem uma orientação sobre a comunidade LGBTQIA+, ao contrário da Igreja Romana. Em dezembro de 2023, o papa Francisco autorizou a bênção a casais de pessoas do mesmo sexo e daqueles "em situação irregular" para a Igreja — como quem não formalizou a união no catolicismo.

Dom Carlos Duarte da Costa - Cedido ao UOL - Cedido ao UOL
Dom Carlos Duarte da Costa
Imagem: Cedido ao UOL

Os religiosos que seguem São Carlos - ele foi canonizado em 1979 - priorizam o verde e amarelo nas vestimentas durante as celebrações. Isso aconteceu após o governo Eurico Gaspar Dutra fechar os templos da igreja, em 1948, a pedido do arcebispo do Rio, Dom Jaime de Barros Câmara, que alegava que os fiéis eram confundidos pela semelhança entre as roupas e o rito religioso.

À época, dom Carlos recorreu ao extinto Tribunal Federal de Recursos, que levou o caso ao STF. Porém, o pedido foi negado pela Corte, quando apenas o ministro Hahneman Guimarães votou favoravelmente à Igreja Brasileira. Ele entendeu que não era competência do governo intervir na discussão.

Os templos da Igreja Brasileira não são tomados por ouro como os da Romana. Além disso, as dimensões dos salões e altares são menores.

Templo religioso da Igreja Brasileira - Divulgação - Divulgação
Templo religioso da Igreja Brasileira
Imagem: Divulgação

Eles também não têm papa. Um conselho, formado pelos 60 bispos da igreja, se reúne e elege um presidente a cada quatro anos. A possibilidade de reeleição foi encerrada em 2022, segundo dom Manoel da Rocha.

Catolicismo irregular?

A Igreja Brasileira se baseia no catolicismo e reconhece as igrejas Romana e Ortodoxa, as duas principais ramificações, mas não é reconhecida por elas. "Ninguém te obriga a ser católico, mas, no momento em que você é católico, você se filia a uma instituição católica. Você pode seguir a brasileira, mas isso não significa que você seja institucionalmente católico", explica Brenda Carranza.

O fiel que se batizar na igreja Brasileira e depois seguir a Romana ou a Ortodoxa, terá que se batizar novamente, diz a pesquisadora. "Os rituais feitos por ela não são reconhecidos como legítimos", afirma.

Há 560.781 fiéis da igreja de São Carlos no Brasil, segundo o Censo 2010. Esse número representa apenas 0,29% da população da época.

A Igreja Brasileira tem 38 dioceses no Brasil e atua em 28 países, de acordo com Dom Manoel da Rocha. O segundo país com maior número de fiéis é a Bolívia, seguido por Filipinas, estima o religioso.

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