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Tribo indonésia obrigada a abandonar suas terras pelas atividades da maior mina de níquel do mundo

28/05/2025 07h31

Bokum, membro de uma das últimas tribos de caçadores-coletores da Indonésia, quase totalmente isolada do mundo moderno, se desespera ao ver como a maior mina de níquel do mundo está afetando sua bela floresta virgem, em uma ilha do arquipélago das Molucas. 

Para poder observar a mina é necessário avançar nas profundezas da floresta da ilha de Halmahera, 2.400 km ao leste de Jacarta. Aqui vive a tribo dos Hongana Manyawa ("Povo da floresta"), que tem 500 membros que continuam levando uma vida nômade e sem contato com a civilização moderna.

Bokum integra o grupo de outros 3.000 membros da tribo que aceitam um contato limitado. Ele mostrou a uma equipe da AFP como a extensa concessão de mineração de Weda Bay Nickel (WBN) está desfigurando suas terras tribais.

Em meio a uma área natural de tirar o fôlego, as máquinas derrubam e escavam, enquanto a mina se expande para suprir a importante demanda de níquel, principalmente para a fabricação de aço inoxidável e baterias de veículos elétricos.

Ao menos 17% do níquel mundial procede desta mina, segundo o site oficial em 2023. A Indonésia é, de longe, o maior produtor mundial.

"Temo que continuem destruindo a floresta", disse Bokum, que, segundo relata, já não encontra porcos selvagens ou peixes para comer. "Não sabemos como sobreviver sem nossa terra, sem nosso alimento".

O homem vive a 45 minutos a pé, floresta adentro. Ele aceitou dar seu testemunho ao lado da esposa, Nawate, que permanece em silêncio. Mas ele não demora, já que antes de sair viu alguns operários perto de sua casa.

"Os operários da mina tentaram mapear nosso território", explica, com um facão ao seu alcance. "É nossa casa e não vamos entregá-la".

O destino dos Hongana Manyawa causou alguma comoção nos últimos meses, após a divulgação de vídeos que mostram membros da tribo muito magros, apelando por comida fora da floresta. Mas o futuro da região, tão distante de Jacarta, não é uma prioridade.

Três dias de viagem por 36 quilômetros, em meio aos 45.000 hectares da concessão de mineração, permitem ter uma ideia do custo, tanto para os humanos quanto para a natureza, da tecnologia moderna.

As repetidas explosões executadas para a extração do mineral afugentam bandos de pássaros. No céu, os helicópteros dividem espaço com papagaios, corujas das Molucas, calaus e abelhas gigantes.

Os troncos cortados ao longo da estrada também são um indício da invasão das máquinas. De longe, é possível observar os seguranças da mina atirando contra aves tropicais com rifles de ar comprimido.

Durante a noite, o barulho das escavadeiras penetra na espessura das árvores, rivalizando com o coaxar das rãs e o zumbido dos insetos. 

Os leitos dos rios estão cobertos por uma lama pesada, fruto da exploração da mineração, e praticamente já não têm peixes. A água, de tão suja, irrita a pele.

- "Protocolos de contato" -

A Constituição indonésia estabelece os direitos territoriais dos indígenas. Em 2013, a Corte Constitucional concedeu às comunidades locais o controle das florestas tradicionais, em vez de atribui-lo ao Estado.

Mas, sem títulos de propriedade, os Hongana Manyawa não têm muitas chances de ver seus direitos reconhecidos.

E ainda menos diante do gigante que enfrentam. A concessão pertence a Weda Bay Nickel, que, por meio de uma 't venture', tem como acionista majoritário a gigante chinesa do aço Tsingshan e, como acionista minoritário, o grupo de mineração francês Eramet.

O novo CEO da Eramet acompanha esta semana o presidente francês, Emmanuel Macron, em sua visita à Indonésia. A mina solicitou o aumento de seu direito de extração.

A WBN disse à AFP que está "comprometida com uma mineração responsável e a proteção do meio ambiente" e que treina seus trabalhadores para "respeitar os costumes e tradições locais".

"Não existe nenhuma prova de que grupos isolados ou não ados sejam afetados pelas atividades da WBN", afirma a empresa.

A Eramet declarou à AFP que pediu aos acionistas majoritários da WBN permissão para realizar uma auditoria independente este ano sobre os "protocolos de contato" com os Hongana Manyawa.

Também está sendo examinada a forma como a tribo utiliza as florestas e os rios da região, acrescentou a Eramet, que destacou, no entanto, que não há "nenhuma prova" de que membros da tribo vivam isolados em sua concessão.

Mas o governo indonésio itiu o contrário, em uma declaração à AFP. "Há provas da existência de tribos isoladas em torno de Weda Bay", afirmou a diretoria geral de carvão e minerais do Ministério da Energia e Recursos Minerais do país.

O mesmo órgão afirmou que está comprometido a "proteger os direitos dos povos indígenas e garantir que as atividades de mineração não prejudiquem suas vidas, nem seu entorno". 

Esta é a primeira vez que Jacarta reconhece oficialmente a presença de membros de Hongana Manyawa isolados na área, segundo a ONG de defesa dos direitos indígenas Survival International.

Para a organização, que destacou um "golpe duro" para a Eramet, "a única forma de impedir (a) destruição" da tribo é declarar uma área proibida.

Em seu site, a Eramet afirma que treina seus funcionários sobre como se comportar caso encontrem algum Hongana Manyawa. Eles são aconselhados a evitar qualquer interação com pessoas não adas se a presença "for comprovada".

O grupo chinês Tsingshan e a Antam, a empresa de mineração, não responderam às perguntas da AFP.

A Eramet, que nega contaminar a água da região, afirma que a mineração "gerou muitas oportunidades econômicas". 

Bokum, no entanto, constatou o contrário: "Desde que a empresa destruiu nossa casa, nossa floresta, está difícil caçar, encontrar água limpa", afirma em sua língua, o tobelo.

- Extorsão e prostituição -

Assim que a exploração começou, em 2019, a área rapidamente se transformou em uma espécie de velho oeste selvagem.

Em uma barreira perto do imenso parque industrial de Weda Bay, vários homens pararam o veículo dos jornalistas da AFP e exigiram dinheiro, antes da intervenção de uma autoridade local.

Perto de cidades vizinhas como Lelilef Sawai, Gemaf e Sagea, é fácil encontrar empregados equipados com capacetes, caminhando pelas estradas lamacentas repletas de entulhos.

As estradas são cercadas por lojas rudimentares. Também é frequente observar prostitutas procurando clientes em frente a hotéis infestados de percevejos. 

De longe, todos observam as torres de fusão de níquel, das quais emana uma nuvem artificial. A mina tem hoje mais do que o dobro de trabalhadores que em 2020: quase 30.000. Muitos são estrangeiros, cuja chegada gerou tensões e coincidiu com um aumento de casos de doenças respiratórias e HIV.

"As empresas de mineração não têm boas práticas, violam os direitos humanos e fazem poucos controles", denunciou Adlun Fiqri, porta-voz da associação Save Sagea.

"Muito antes da exploração de níquel, tudo era realmente tranquilo e era agradável viver na floresta", comenta Ngigoro, que deixou o grupo isolado dos Hongana Manyawa ao lado de sua mãe quando era criança. Naquela época, afirma, não tinham "medo de nada".

"Esta terra pertence aos Hongana Manyawa," acrescenta o homem de 62 anos, que marca o caminho fazendo cortes nos troncos com um facão. 

Muitos no leste da ilha se sentem como ele. Ao menos 11 manifestantes indígenas foram detidos, informou na segunda-feira a Anistia Internacional.

- Tesla -

Bokum afirma que se mudou pelo menos seis vezes para escapar dos empregados da mina, que não paravam de ar pelo território de seu povo.

As ONGs temem que a mina provoque o desaparecimento da tribo. "Dependem completamente do que a natureza lhes dá e, à medida que sua floresta tropical é devastada, o mesmo acontece com eles", alerta Callum Russell, da Survival International.

O governo garante que elaborou "uma documentação" para compreender as tribos isoladas e afirma que as incluiu "no processo de decisão".

Mas os ativistas acreditam que isso é impossível porque a maioria não utiliza tecnologia moderna e evita qualquer contato com estranhos.

Recentemente algumas vozes se levantaram, principalmente de grandes empresas. A fabricante de automóveis americana Tesla, que pertence a Elon Musk, que assinou acordos de investimento no níquel indonésio, propôs a criação de zonas proibidas para proteger os povos indígenas.

A empresa sueca de veículos elétricos Polestar declarou no ano ado que desejava evitar colocar em perigo "comunidades não adas" em sua cadeia de abastecimento.

Mas para Bokum, o perigo permanece: atrás da colina onde cultiva abacaxi e mandioca, se estende uma área de exploração a céu aberto de 2,5 km de comprimento. 

A mina tentou entrar em contato com Bokum e sua esposa, entregando alguns celulares. 

Mas para ter cobertura, Bokum tem que se aproximar da mina e, quando os trabalhadores se aproximam, ele reitera sua promessa, com o facão na mão: "Esta é a nossa terra. Não vamos concordar que a destruam".

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© Agence -Presse

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